Por Luiz Angelo Sabbadin

Um dos mais importantes instrumentos de uma sociedade limitada diz respeito ao contrato social. Previsto no artigo 997 e seguintes do Código Civil Brasileiro, o contrato social deve ser formal, escrito, e, além das cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: o nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços; as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.

Na constituição de uma sociedade, portanto, diversos requisitos são necessários e merecem total atenção e participação dos sócios na sua determinação, para que a empresa possa exercer legalmente sua atividade e o ato constitutivo tenha efeito perante terceiros. Todos estes cuidados não são diferentes quando se trata das alterações do contrato social.

Em grande parte das empresas, o profissional responsável pela elaboração dos contratos sociais é o advogado ou o contador. Tais rotinas, normalmente, são terceirizadas aos escritórios de contabilidade que detém a área de Legalização Societária. Ressalta-se, contudo, a imprescindibilidade da participação do contador em conjunto com os profissionais da área de Legalização Societária, haja vista sua ampla visão nas questões fiscais, tributárias e contábeis que impactam, sobretudo, nos processos de alterações de contrato social.

Neste sentido, enumeram-se a seguir as principais alterações de contrato social que geram reflexos nos negócios empresariais e que, se mal implementadas, podem causar diversos prejuízos aos negócios. Vejamos:

ALTERAÇÃO DE NOME EMPRESARIAL: Nesse tipo de alteração, imperioso observar se não há nenhuma colidência de nome, ou seja, se não existe outra empresa registrada na Junta Comercial com a mesma razão social, em especial quando a atividade for similar. Para tanto, há que se realizar a pesquisa ou “busca de nome” perante a Junta Comercial do Estado correspondente ao registro. De igual modo, fundamental realizar a pesquisa junto ao Instituto de Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Tal procedimento evitará que a empresa venha a receber notificações de terceiros com marcas e nomes semelhantes, que podem culminar na necessidade de nova mudança de nome empresarial. Esses cuidados são extremamente importantes para evitar dissabores e necessários que sejam realizados antes mesmo da empresa criar sua logomarca e investir em sua identidade visual.

ALTERAÇÃO DE QUADRO SOCIETÁRIO, SAÍDA E ADMISSÃO DE SÓCIOS: Os casos de alteração de sócios merecem atenção especial. Inicialmente mister entender qual a natureza da saída de um ou mais sócios, com ingresso de novos sócios na sociedade. Trata-se de um processo de trespasse ou de M&A (Mergers and Acquisitions – em português Fusões e Aquisições)? Ou seria apenas uma reorganização societária? Trata-se de um planejamento sucessório? Os sócios cessionários serão pessoas físicas ou jurídicas (tais como as holdings participações)? E outro detalhe bastante importante: Haverá onerosidade na cessão de quotas? Ou serão transmitidas a título gratuito (doação)? Superadas tais análises, cabe analisar os impactos tributários e contábeis correspondentes a saída daquele sócio da sociedade. Do ponto de vista contábil, imperioso observar se este sócio possuía algum direito ou obrigação perante a sociedade, tais como Lucros Retidos, Empréstimos, Adiantamento para Futuro Aumento de Capital – AFAC ou até mesmo garantias perante terceiros, como fianças, avais, entre outras. Sob a ótica fiscal e tributária, em uma operação de M&A, por exemplo, crucial verificar as bases negociais no contrato de venda e compra de quotais sociais observando se haverá cash in (dinheiro aportado pelo novo sócio na empresa) e cash out (dinheiro no “bolso” do sócio cedente das quotas sociais). Cada operação terá sua característica, isto é, uma operação de cash in contabilmente pode ser considerado aporte de capital do novo sócio na empresa como AFAC, não havendo qualquer impacto tributário. Já em uma operação de cash out, o valor recebido pelo cedente das quotas sociais deverá ser oferecido à tributação para fins de imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL (esta última somente em caso de cedente pessoa jurídica) sobre a diferença positiva entre o custo de aquisição das quotas e a venda das mesmas (ganho de capital), observando-se, para cedentes pessoas físicas, a Lei n° 13.259/2016, cujas alíquotas variam de 15% a 22,5%. Por outro lado, em caso de cessão de quotas a título gratuito, como nas doações, deve-se observar a incidência do imposto transmissão causa mortis e doações – ITCMD, com alíquotas previstas entre 2% e 8%, conforme o Estado. Há também casos de admissão de sócios absolutamente ou relativamente incapazes, como, por exemplo, os menores de idade. Nestas hipóteses necessário observar as questões de assistência ou representação dos pais, tutores ou curadores, conforme o caso. A saída de um sócio também pode ter reflexo na administração da sociedade, fator que deverá ser observado, notadamente quanto a possíveis impedimentos dos novos administradores, por exemplo, quando condenados por crime falimentar. Por fim, para o Departamento Pessoal é importante saber se haverá recolhimento de pro labore para o novo sócio administrador admitido, cabendo sempre uma ação proativa deste setor em questionar.

ALTERAÇÃO DE ENDEREÇO: Esse tipo de alteração implica em toda uma análise preliminar que reúne questões burocráticas de forma mais determinante em âmbito Municipal. Inicialmente, cabe analisar se no novo endereço existe a possibilidade de se instalar a empresa, através do pedido de viabilidade na Prefeitura local. Feito isso, fundamental obter todas as licenças de funcionamento e respectivos alvarás, para que a empresa possa exercer sua atividade no novo local. Algumas licenças podem ser necessárias de acordo com o grau de risco da atividade, dentre elas destacamos o alvará do bombeiro, vigilância sanitária, licenciamento ambiental, e até mesmo das polícias civis. Para a contabilidade, uma informação bastante importante de se obter refere-se a saber se o imóvel é próprio ou alugado. Em cada situação, haverá reflexos nos lançamentos contábeis, sendo a primeira considerada no ativo imobilizado e depreciações mensais e a segunda em despesas de aluguel. Vale lembrar que as despesas de aluguel, para empresas do lucro real, proporcionarão créditos de PIS e COFINS, bem como serão consideradas como dedutíveis para fins do imposto de renda. Do ponto de vista fiscal, nas empresas comerciais e industriais, a alteração de endereço implica na necessidade de emissão de notas fiscais para transferência do estoque e ativos imobilizados para o novo estabelecimento. No Departamento Pessoal a atenção deve ser direcionada ao artigo 468 da CLT, o qual dispõe ser vedada a transferência do empregado sem a sua anuência para localidade diversa da que resultar do contrato, não se considerando transferência a que não acarretar necessariamente a mudança do seu domicílio. Logo, havendo mudança de domicílio do empregado, a CLT obriga o empregador “a um pagamento suplementar, nunca inferior a 25% (vinte e cinco por cento) dos salários que o empregado percebia” no local de origem, adicional remuneratório este que será devido “enquanto durar essa situação”, conforme dispõe o artigo 469, § 3º da CLT.

ALTERAÇÃO DE OBJETO SOCIAL: A alteração da atividade de uma empresa pode ser determinante para os rumos do negócio e se não bem estudada, pode gerar reflexos negativos. Em primeiro plano cumpre entender se alteração do objetivo social corresponde a uma inserção de um novo ramo de atuação ou se a empresa mudará radicalmente os rumos de sua atuação no mercado. Normalmente a segunda hipótese não é a mais costumeira, mas acontece. A inclusão de novas atividades empresariais em uma sociedade, implica na adoção de um novo CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas). Contabilmente, esse tipo de alteração pode acarretar na criação de novos grupos de despesas e centros de custos nos demonstrativos contábeis. Já na área fiscal, deveras importante compreender os reflexos tributários da nova atividade, sendo crucial, para tanto, a realização de um prévio estudo tributário. Essa etapa do estudo tributário, por sinal, julgo a mais importante para que se possa elucidar ao empresário como será o comportamento da carga tributária para esta nova atividade, bem como para que se possa “desenhar” como ficarão as operações fiscais, emissão de documentos e sua escrituração. Vale lembrar que em um mundo dinâmico e repleto de inovações, a inclusão de novas atividades, sobretudo, aquelas vinculadas a tecnologia, como as plataformas virtuais, e-commerce, softwares e demais, ficaram ainda mais comuns nos negócios, tornando fundamental a elaboração do estudo tributário, antes de qualquer movimentação da empresa em termos de alteração de atividade. Para a área trabalhista, a alteração de atividade de uma empresa não foge as recomendações aqui expostas. Necessário também avaliar se este novo CNAE implicará, por exemplo, em algum adicional de insalubridade ou periculosidade, se haverá novo enquadramento sindical, ou mesmo alteração nas alíquotas do RAT (Riscos Ambientais do Trabalho) e códigos FPAS (Fundo da Previdência e Assistência Social), os quais se vinculam a atividade econômica da empesa.

ALTERAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL: Os cuidados com a alteração do capital social também são relevantes. O aumento do capital social por parte dos sócios em dinheiro, moeda corrente nacional, implica na existência do recurso na pessoa física dos sócios e sua efetiva transferência para a conta bancária da pessoa jurídica. Não se concebe aumento de capital social em dinheiro, através do caixa, sobretudo, quando o valor for igual ou superior a R$ 30.000,00 (trinta mil reais), pois, nestes casos, a pessoa jurídica estará obrigada a entrega da DME (Declaração de Operações Liquidadas com Moeda em Espécie), instituída pela Instrução Normativa RFB 1.761/2017. Ainda falando sobre aumento de capital social, necessário se faz a análise das contas contábeis no Patrimônio Líquido da sociedade. Muitas vezes esse ponto não é observado e acabam sendo inutilizadas como estratégia para aumento de capital com saldos contábeis já disponíveis para a sociedade. Neste exemplo, citamos as contas de Reservas de Capital e Adiantamento para Futuro Aumento de Capital – AFAC. Saiba que tais contas podem ser incorporadas ao capital social da sociedade com vistas a sua elevação, sem que o sócio coloque a “mão no bolso”. Por outro lado, a sociedade também pode reduzir seu capital social. Nestes casos, as hipóteses são bastantes restritas, isto é, somente quando houver perdas irreparáveis ou quando o capital social se torna excessivo em relação ao objeto da sociedade. Neste contexto, cabe um cuidado bastante importante no sentido de se observar os limites entre a devolução de participação no capital social, por meio da entrega de bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, avaliados a valor contábil, com posterior alienação deles pela pessoa física, pois o Decreto-lei 1.598/77 estabeleceu em seu artigo 60 o regime de distribuição disfarçada de lucros (DDL), por meio do qual se buscava evitar que a pessoa jurídica transferisse lucros para partes ligadas, através de negócios em condições favorecidas. Nesse contexto, a devolução de bens e direitos incorporados ao capital social, aos sócios, pode ser objeto de autuação com base nas regras de DDL, com cobrança do imposto de renda sobre a diferença entre o valor contábil do bem/direito e o seu valor de mercado ou com base na alegação de simulação, para encobrir o pagamento de supostos dividendos.

Procuramos aqui, sem objetivar o esgotamento, elucidar os reflexos mais comuns que circundam uma alteração de contrato social e que, se não bem observados, podem gerar consequências irrefutáveis aos negócios empresariais.

Cabe derradeiramente repetir que a participação do contador é fundamental, do início ao fim do processo. Em idêntico patamar de importância, estão todos os profissionais da área de Legalização Societária das empresas, os quais rendemos homenagens, sobretudo àqueles que buscam qualificação continuada e gozam de competências importantes como visão sistêmica e gestão de riscos, para antecipar todos os reflexos possíveis atinentes a uma alteração de contrato social.

Dr. Luiz Angelo Sabbadin é Contador e Advogado; atua nas áreas da Consultoria Tributária, Empresarial e do Contencioso Administrativo Tributário; Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET); Pós-Graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV); Pós Graduando em Controladoria e Finanças pela UNICAMP; Diretor Regional de Piracicaba e Região do Sindicato das Empresas Contábeis do Estado de São Paulo – SESCON-SP; Conselheiro da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba – ACIPI; Diretor Administrativo do Sindicato dos Contabilistas de Piracicaba e Região – SINCOP. –  E-mail: luiz@semcon.com.br