Passado o período agudo do movimento dos caminhoneiros, importante estudar as lições que ficaram. Nesse balanço inicial, uma se destaca: a urgência de uma reforma tributária, tarefa que ficará certamente para o próximo presidente da República – se, claro, tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir.

E o momento é ótimo para tratar disso, pois os pré-candidatos à Presidência certamente não desconhecem os efeitos da brutal carga de impostos e seus impactos cotidianos. Faz tempo que o Sindifisco Nacional alerta: a sociedade esgotou a capacidade de suportar a regressividade do sistema, cuja principal característica é oneração da base da pirâmide social.

A essa altura, já deve ter gente lendo esse texto e pensando: “mais populismo fiscal”. Desculpe, não é mesmo. O problema é que a sociedade brasileira se acostumou com arremedos nesta seara, todos em nome do aumento da arrecadação, do fechamento do caixa do governo central no final do ano. Enquanto a conta é paga pelo conjunto dos cidadãos, fica diluída e ninguém se dá realmente conta. Só que, quando eclode uma crise da magnitude dessa dos caminhoneiros, é que vem clara a percepção de que a proporção dos tributos da formação dos preços – considerado inclusive as inúmeras variantes que os compõem, como sazonalidade, insumos e mão de obra – está insuportável.

Para debelar a greve e evitar o colapso total do País, o governo federal teve de fazer várias concessões que, evidentemente, não sairão de graça. Todos nós pagaremos a solução de emergência. Por sinal, pesquisa do Datafolha publicada dia 30 mostra que, de um universo de 1,5 mil pessoas ouvidas, 87% aprovam o movimento e 56% são favoráveis a que a paralisação se mantenha. Perfeito, mas tem o outro lado disso: 59% acham que a saída encontrada pelo Palácio do Planalto para restaurar a normalidade trará mais prejuízos.

Ao mesmo tempo que é um paradoxo, faz total sentido. O cidadão está farto e o movimento dos caminhoneiros é o protesto cujos efeitos muitos gastariam de ter força para provocar. É o ataque frontal à fraqueza dos governos, que personificam o mau padrasto, aquele que tudo toma e nada concede. E usurpa na forma de impostos escorchantes, que deveriam retornar na segurança, na saúde, na educação, na mobilidade urbana… Nem mesmo no consumo, que causa irritação ao contribuinte médio quando compara o preço de um produto qualquer aqui com um similar no estrangeiro – se for incluir a qualidade nessa equação, a indignação aumenta.

Em julho de 2013, o Sindifisco Nacional colocou nas ruas a campanha Imposto Justo. Semanas antes, a população saíra às ruas inicialmente revoltada com o aumento nas passagens de ônibus – um dos motes era “Não é só pelos 20 centavos –, mas que depois se tornou uma indigestão geral. Aquilo que parecia difuso, hoje se percebe, era a confluência de aborrecimentos diversos, com um denominador comum: dar ciência ao governo que o tempo da cortesia com o chapéu dos outros acabara. Ou o arrecadado era efetivamente aplicado conforme preceitua a Carta, sem desvios, ou o Brasil trilharia um caminho perigoso. Foi o sinal amarelo; o vermelho veio com a greve dos caminhoneiros.

Antes que os pré-candidatos tergiversem sobre o tema, é preciso ressaltar que há alternativas de tributação, com foco na capacidade contributiva, conforme reza a Constituição. Na Imposto Justo há propostas simples, que poderiam arrecadar R$ 41 bilhões por ano, como fim da isenção das remessas de lucros ao exterior e na distribuição de lucros e dividendos, e a tributação sobre a propriedade de aeronaves e lanchas particulares. Esses R$ 41 bilhões caberiam na redução da tributação sobre energia e combustíveis, pois a conta será repassada integralmente ao “andar de cima”, que desde o Descobrimento se recusa a pagá-la.

E essa altura você deve estar se perguntando que fim levaram essas e outras medidas que compunham a Imposto Justo. Pararam no Legislativo por falta de vontade política. Como mexia com o interesse de pessoas que não pagam e querem continuar não pagando, deram um jeito de encostá-la. O governo aceitou, docemente constrangido – milagres que somente o chamado presidencialismo de coalizão é capaz e operar.

Vivemos um bom momento para sabermos se a reforma tributária é uma preocupação para os pré-candidatos. Estão todos querendo se cacifar, seja para se consolidarem na disputa, seja para venderem apoios futuros a peso de ouro, caso desistam do Palácio do Planalto. Agora é a hora de avaliar se quem assume em 1º de janeiro de 2019 tem compromisso com a maioria da população, e revê a regressividade dos impostos, ou se será mera troca de guarda. Se for a segunda hipótese, anotem: depois do sinal vermelho dos caminhoneiros, na sequência vem o desastre.